Segunda-feira, 20 de agosto de 2012 A decisão do governo do Equador conceder asilo ao fundador do Wikileaks contradiz a realidade que os jo...
Segunda-feira, 20 de agosto de 2012
A decisão do governo do Equador conceder asilo ao fundador do Wikileaks contradiz a realidade que os jornalistas daquela nação enfrentam
A decisão do governo do Equador conceder asilo ao fundador do Wikileaks contradiz a realidade que os jornalistas daquela nação enfrentam
“Devo sobreviver, mentindo-me”. O refrão de uma música espanhola faz parte da filosofia de um homem que paradoxalmente se comporta de maneiras diferentes dentro e fora do país: de um lado tentando frear a imprensa, e ao mesmo tempo se dizendo defender a liberdade de expressão, respectivamente: o presidente do Equador, Rafael Correa. Quem, na quinta-feira passada (16/8), concedeu asilo político ao dono do Wikileaks, Julian Assange, que está refugiado na Embaixada sul-americana em Londres desde o dia 19 de junho. Para o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ, sigla em inglês) “parece irônico que o mesmo governo que outorgou o asilo a Julian Assange tenha conduzido [Emilio] Palácio, do diário ‘El Universo’, a buscar exílio nos Estados Unidos e está na atualidade utilizando os meios de comunicação em poder do Estado para desacreditar César Ricáurte, diretor de Fundamedios e um dos defensores da liberdade de expressão no país”.
“O registro de liberdade de imprensa sob o governo do presidente Rafael Correa figura entre os piores do continente, assim que o fato de facilitar o asilo ao fundador do Wikileaks não mudará as restrições que enfrentam os jornalistas equatorianos, que criticam as políticas e decisões do governo”, acrescentou o CPJ.
Com um pouquinho de “maquiagem no coração”, o líder sul-americano tenta convencer a opinião de que seu país é democrático, usando como exemplo a escolha do jornalista australiano ter pedido socorro no seu escritório no exterior. Quando, no fundo, sabe-se que essa decisão estaria baseada em uma divergência silenciosa que existe entre Equador e os Estados Unidos. Portanto, ele estaria protegido de ser entregue aos “carniceiros” do Reino Unido, Suécia e possivelmente dos EUA. Por detrás de tanta generosidade poderia haver uma mistura de vingança e o desejo de limpar a própria imagem diante da população, para disputar a reeleição em fevereiro de 2013. Fica difícil dizer se a relação entre Correa e Assange se caracterizaria uma simbiose (quando as duas partes tiram proveitos) ou parasitismo (quando uma das partes se aproveita da outra).
O preço por afrontar o Reino Unido é uma suposta ameaça de que as autoridades desse conjunto de países poderiam usar uma lei de 1987 – que revogaria temporariamente o status de Embaixada – para tirar à força o ativista e extraditá-lo para a Suécia, onde está sendo investigado por supostos delitos sexuais, embora não haja nenhum processo formal. O receio do governo equatoriano é de que tudo isso seja apenas uma etapa para levá-lo à América do Norte, onde poderia ser processado por espionagem e ser sentenciado à morte, depois de ter revelado certos segredos de Washington, tais como registros de guerra no Oriente Médio, além de investigar líderes estrangeiros.
Desde então, Quito tem convocado reuniões para discutir a possível invasão de seu escritório: na Aliança Bolivariana de Nações (Alba), na União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e na Organização dos Estados Americanos (OEA). Apesar de que nesta entidade a ideia foi rejeitada por EUA e Canadá, que alegaram que somente uma das partes – o Equador – seria membro do bloco, enquanto a Grã-Bretanha – Europa –, não. Por 23 dos 34 votos, os líderes das Américas concordaram discutir apenas o ultimato do Reino Unido, e não o asilo ao jornalista australiano.
“A entrada não autorizada de qualquer autoridade britânica às dependências da Embaixada do Equador seria uma violação flagrante do artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, assim como do Artigo 2.4 da Carta das Nações Unidas que proíbe aos Estados o uso da força e ameaça do uso de força (...)”, disse o chanceler sul-americano, Ricardo Patiño.
Em nota, o Ministério de Relações Exteriores inglês informou que estaria “desapontado” com a resposta do Equador, que nada mudaria o objetivo de extraditá-lo e também que os Estados Unidos não tinham nada a ver com isso.
Julian Assange fugiu de sua prisão domiciliar, após perder todos os recursos legais para continuar no Reino Unido. O Equador já recebeu apoio explícito de alguns vizinhos, como: Venezuela, Cuba, Bolívia e Argentina. Nesta nação, por exemplo, há uma disputa antiga pela posse das Ilhas Malvinas (Falklands, para os britânicos). “A República Argentina expressa sua solidariedade com a República do Equador e repudia as expressões do governo do Reino Unido de ameaçar invadir a Embaixada do Equador em Londres, violando sua obrigação de cumprir com a Convenção de Viena, que estabelece a inviolabilidade das sedes diplomáticas”, comunicou Buenos Aires.
Julian Assange e seu Wikileaks
Julian Assange, 41 anos, simplesmente comprou uma briga com a nação mais poderosa do planeta, expondo-a ao ridículo diante das demais, em 2010, como a suposta revelação de que os norte-americanos investigavam a saúde mental da mandatária argentina, Cristina Kirchner; e que o mesmo governo tinha a intenção de “isolar” o venezuelano Hugo Chávez, fazendo com que fosse considerado um “louco”; que o ex-governante francês Nicolás Sarkozy era um homem “delicado” e autoritário; que a chanceler alemã, Ângela Merkel, evitava riscos e não tinha “criatividade”; além do receio de vizinhos sul-americanos como Chile e Colômbia, que temiam a liderança do Brasil na América Latina durante a gestão de Lula, entre outras coisas. No caso de Quito, o dissidente oceânico publicou que a corrupção da Polícia era “facilmente manipulável” e que era de conhecimento do presidente Correa. O que levou este a considerar como “pessoa non grata” a embaixadora estadunidense Heather Hodges.
Para o Wikileaks, as embaixadas americanas no exterior seriam utilizadas para espionar chefes de Estado. Desde então, o site de denúncias tem enfrentado dificuldades de arrecadar doações para manter-se em funcionamento. Em 2010, por exemplo, suas contas no MasterCard, Visa e PayPal foram suspensas. Para sobreviver, páginas espelhos foram criadas para difundir as informações.
As autoridades australianas teriam abandonado o seu cidadão, contou a mãe de Assange, Christine, em recente encontro com o líder equatoriano.
Uma realidade no Equador
Não se questiona aqui se Assange deve ser considerado ou não um asilado político. Quanto a isso não há dúvida!!! Mas, o privilégio ou direito que os profissionais de comunicação do Equador não gozam: o da liberdade de expressão. Conforme destacou o CPJ, o jornalista Emílio Palácio e outros três diretores do diário “El Universo” foram sentenciados a três anos de prisão e a uma multa de 30 milhões de dólares, por supostamente ter difamado Rafael Correa. Sem mencionar o nome dele, Palácio se referiu ao presidente como um “ditador”, devido ao episódio de 2010, o do suposto golpe de Estado, quando ele entrou num hospital cheio de civis, tirou a camisa e ordenou aos militares que atirassem nele. Para este jornalista, ele teria colocado em risco a vida dos doentes. Depois de críticas internacionais, eles foram perdoados.
Em 2009, o canal de TV “Teleamazonas” – também crítico ao governo – foi obrigado a ficar fora do ar por 72 horas, depois de exibir uma reportagem, que a exploração de gás pela petrolífera venezuelana PDVSA poderia afetar a pesca na Ilha Puna, e que isso prejudicava os que dependiam da atividade para sobreviver. A emissora foi punida com base na lei de Radiodifusão e Televisão por divulgar dados baseados em suposições e perturbar a ordem social.
Nas próximas eleições, a imprensa terá de deixar de “fazer promoção direta ou indireta sobre as campanhas dos candidatos durante os 90 dias anteriores” à votação, e também não poderá emitir opiniões durante as 48 horas que antecedem o evento, criticou o Comitê de Jornalista, por causa das mudanças na lei eleitoral.
O CPJ descreve Rafael Correa como um discípulo do caraquenho Hugo Chávez, ao erguer uma “massiva rede de meios estatais que é utilizada para lançar campanhas de descrédito contra os críticos e promover sua agenda política”.
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