Quinta-feira, 18 de outubro de 2012 Senado aprova projeto de lei que despenaliza o aborto; falta sanção do presidente José Mujica para torn...
Quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Senado aprova projeto de lei que despenaliza o aborto; falta sanção do presidente José Mujica para tornar-se lei.
Senado aprova projeto de lei que despenaliza o aborto; falta sanção do presidente José Mujica para tornar-se lei.
Imagem: Wikipédia / Reprodução / Creative Commons
Bandeira do Uruguai |
Um novo sol pode estar nascendo na ex-província brasileira da Cisplatina – atualmente chamada de Uruguai – com uma expressão de liberdade: a de poder decidir se deseja levar uma gravidez adiante ou não. Pois, o Senado aprovou o projeto de lei que despenaliza o aborto, nesta quarta-feira (17/10). Dos 31 senadores, 17 votaram a favor, ou seja, a maioria. O mesmo será encaminhado para a sanção do presidente José Mujica, e se aprovado poderá virar lei.
Entenda o projeto
Diferente da visão estereotipada que muita gente possa ter contra o aborto, não é tão simples realizá-lo. OPINÓLOGO teve acesso ao projeto de lei na íntegra e destaca que as autoridades daquele país pretendem oferecer alternativas para que o procedimento não seja feito, tais como: colocar à disposição da gestante uma equipe médica formada por ginecologistas, psicólogos e assistentes sociais do Sistema Nacional Integrado de Saúde – equivalente ao SUS – que daria cinco dias a ela para pensar no assunto antes de abortar. Se as razões fossem econômicas, poderia se cadastrar nos programas sociais do governo – como os bolsas isso e aquilo que temos aqui no Brasil – ou até mesmo ter o bebê e cedê-lo para adoção. Além disso, o pai da criança precisa ser consultado também. O feto poderia ser retirado até as 12 primeiras semanas de gravidez. A consulta médica deveria ser realizada no mesmo dia ou no seguinte, no máximo.
Se a gestante fosse menor de 18 anos e quisesse tirar o feto, precisaria pedir permissão de um responsável. Caso não conseguisse, poderia recorrer a um juiz com o laudo médico, que deveria lhe atender em até três dias corridos.
Após as 12 semanas limites para a interrupção voluntária da gravidez, esta só seria permitida nos seguintes casos: fruto de violência, desde que com decisão judicial em até 14 semanas de gestação; se o mesmo representasse risco à vida da mãe; ou na possibilidade de nascer com deformidades físicas.
A posição da Igreja Católica
A Arquidiocese de Montevidéu criticou a decisão do Parlamento e disse que esta quarta-feira (17) era um dia triste para o país: “(...) Esta decisão vai contra o primeiro direito humano que é o da vida, contradiz à Constituição da República e o Pacto de São José da Costa Rica, é uma agressão ao ser humano mais inocente e, portanto, à sociedade uruguaia em conjunto e é uma ofensa ao Deus Criador”.
“Nos orgulhemos de ser um dos primeiro países que aboliu a pena de morte, hoje nos entristecemos de ser o segundo da América Latina a legalizar o aborto (...). Os diversos eufemismos com os que se disfarça esta lei não tira a gravidade do aprovado. É um dia triste para o Uruguai, um país que foi refúgio de tanta gente que veio em busca de novas oportunidades, uma sociedade onde muitos encontraram motivos para seguir vivendo, hoje nega a outros uruguaios o direito de viver. A lei aprovada hoje pelo Senado é uma ferida à nação, às mais nobres tradições de nossa terra”, continuou a entidade religiosa.
Um Uruguai Polêmico
Para um país pequeno – de apenas 318.413 km² –, pouco menor que o estado do Mato Grosso, e uma população de três milhões, 286 mil, 314 habitantes – conforme censo 2011 do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) –, o Uruguai vai muito além de seu tamanho geográfico. Outra polêmica o envolveu recentemente: a descriminalização do uso de drogas. E agora, o aborto.
A nação sul-americana se torna a segunda da América Latina a permitir o aborto, ficando atrás somente de Cuba.
O distanciamento do Brasil
O que separa o Uruguai do Brasil vai muito além dos limites geográficos e de uma língua – lá se fala espanhol –, a começar pelo pensamento de um governo moderno que tenta fazer por onde ser chamado de laico. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo daqui do gigante sul-americano, que só tem tamanho, mas deixa sua política ser influência constantemente com os apelos religiosos – para não dizer, mas já dizendo, intromissões –. Prova disso foi quando temas como aborto e casamento gay vieram à tona durante o período de eleição presidencial de 2010, no qual certos candidatos teriam se preocupados em não ser tachados como apoiadores de tais coisas, gerando uma rivalidade até mesmo entre várias denominações religiosas que pareciam disputar o político. Na época, o pastor Silas Malafaia, da Igreja Vitória em Cristo, deixou de apoiar Marina Silva (PV) pelo fato de o partido dela ser supostamente a favor do aborto, optando então por José Serra (PSDB). E a Polícia Federal teria encontrado cerca de um milhão de panfletos que recomendavam o voto anti-Dilma Rousseff pelo mesmo motivo, supostamente encomendados por um membro da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o que foi negado por esta.
Talvez este país ainda não esteja preparado para discutir o tema, mas só se saberá tentando. A posição de que o direito à vida – ainda no ventre – seja respeitado é compreensível. No entanto, pode ser colocada em xeque quando o mesmo poder público que é contra a interrupção da gestação se omite e a criminaliza, permite que ainda haja crianças vivendo nas ruas, muitas vezes abandonadas pelos pais, vítimas da fome e das drogas, sem estudos, e que num futuro poderiam se tornar delinqüentes e transformar a sociedade em refém. Soa no mínimo irônico quando se fala no direito de nascer, mas nada se faz pela preservação do indivíduo. É no mínimo egoísta deixá-lo viver em tais condições.
Ainda se pode ir mais longe com essa linha de raciocínio e pensar, por exemplo, no caso de adolescentes que moram em favelas e engravidam de bandidos. Sem generalizar, mas qual seria o futuro que esses filhos podem ter convivendo com a má influência do pai e encarar tudo com normalidade???
A ilusão da fé
O Brasil ainda vive a ilusão de que é um país católico ou de maioria, com 64,6% da população, conforme dados do censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, boa parte se diz “não-praticante”, termo esse que poderia ser discordado, do mesmo modo que não há evangélico não-praticante, espírita não-praticante e por aí vai... Ou é ou não é, simples assim!!!
Um artigo intrigante do IBGE, publicado nesta quarta-feira (17), afirma que 47,4% dos casais homossexuais teriam se declarado católicos na última pesquisa demográfica. Como se dizer parte de uma religião que não os aceitam???
O Artigo 19 da Constituição diz que o Brasil é laico. Só falta o país ter ciência disso e deixar de fazer política com religião. Quem sabe assim, ao invés de um sol, porque aqui já tem demais, não consigamos ver melhor o brilho das estrelas em nossa bandeira.
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