Domingo, 31 de março de 2013 Simpatizantes querem transformar Hugo Chávez em ‘santo’ após a morte O show O circo já não é mais o me...
Domingo, 31 de março de 2013
Simpatizantes querem transformar Hugo Chávez em ‘santo’ após a morte
Simpatizantes querem transformar Hugo Chávez em ‘santo’ após a morte
O show
O circo já não é mais o mesmo sem o seu palhaço. No entanto, o mágico, o trapezista, o malabarista e o acrobata continuam ocupando o picadeiro, porque o show não pode parar. Essa, por exemplo, é a atual situação da Venezuela desde a morte do presidente Hugo Chávez, no último dia 5 de março. Dessa vez, os simpatizantes do falecido mandatário extrapolaram os limites da lógica e do bom senso ao tentarem transformá-lo numa espécie de divindade, para que os eleitores, supostamente, fossem induzidos a votar no presidente em exercício, Nicolás Maduro, como se estivessem elegendo o líder bolivariano. Na semana passada, por exemplo, populares construíram uma capelinha de madeira e a batizaram de ‘Capela Santo Hugo Chávez’. A mesma está localizada no bairro 23 de Enero, em Caracas, local onde começou sua trajetória política com a tentativa de golpe de Estado em 1992 e próxima ao Quartel de La Montaña, onde o corpo foi sepultado. A capela é de cor azul, tomada de flores em seu interior deixadas por peregrinos, com uma imagem feita em gesso e um cartaz com a mensagem “Deus conosco, quem será contra a gente?”, e de fundo a periferia dessa região, contendo uma foto dele ao lado da de Jesus Cristo carregando uma cruz, de acordo com o site local “Noticias 24”.
Durante homilia na missa da Semana Santa, na última quarta-feira (27), o arcebispo de Caracas, cardeal Jorge Urosa, destacou que Chávez não era santo, e sim um ser humano como qualquer outro, portanto não poderia ser comparado a Cristo, porque este, sim, seria Deus. O religioso acrescentou que não estaria assumindo posição política, apenas fazendo uma observação aos fieis.
Sabe-se também que, na semana passada, o canal de TV estatal “Vive” divulgou um vídeo, em desenho, de Chávez chegando ao céu e sendo recebido por personalidades esquerdistas como o ‘libertador’ latino-americano Simon Bolívar, o guerrilheiro argentino Che Guevara, o ex-presidente chileno Salvador Allende, entre outras.
O culto excessivo à figura do mandatário coincide com a corrida eleitoral, que acontecerá daqui a duas semanas, no próximo dia 14 de abril, tendo como principais candidatos o vice-presidente Nicolás Maduro – que já foi chanceler –, pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), e o maior opositor da eleição de 2012 contra Chávez, Henrique Capriles – governador reeleito em dezembro passado no estado de Miranda –, pela Mesa de Unidade Democrática (MUD). Maduro ocupa temporariamente o cargo maior e nomeou como vice o genro de Hugo Chávez, Jorge Arreaza, que era ministro de Ciência e Tecnologia. No ano passado, a eleição presidencial foi antecipada de dezembro para outubro, enquanto a dos demais cargos foi mantida. Por isso, Capriles pôde concorrer nas duas. O evento terá como observadora a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), bloco no qual o país integra. Em termos práticos, se poderia dizer que são ‘todos farinha do mesmo saco’.
O corpo de Hugo Chávez levou pelo menos uma semana até que fosse sepultado. As autoridades argumentaram que seria para que os venezuelanos pudessem lhe dar o adeus. Inclusive, tentaram embalsamá-lo, assim como os egípcios faziam com os faraós, por exemplo. Mas, não conseguiram, porque o processo não teria sido feito de imediato, desse modo iniciando a decomposição. O jeito é tentar eternizar sua memória diante da população, para manter um regime que começou em 1999, o ‘Chavismo’.
O Chavismo sem Chávez
Hugo Chávez pode ter sido muitas coisas: líder, revolucionário por convencer muitos com sua Revolução Bolivariana, ditador, populista, fomentador de políticas latino-americanas no intuito de o continente se distanciar dos Estados Unidos etc., mas santo de jeito nenhum: mesmo tendo bancado o ‘bom’ chefe de Estado para os pobres, deixou marcas bastante negativas, tais como: a suposta tentativa de censura e perseguição aos meios de comunicação de oposição, como a “RCTV” e a “Globovisión”. A “RCTV” não teve concessão renovada em 2007, após divulgar no ano anterior um vídeo mostrando o então ministro de Energia, dizendo aos empregados da petrolífera estatal (PDVSA) que se eles não apoiassem a Chávez, que deveriam renunciar seus trabalhos, segundo a ONG “Human Rights Watch” (HRW); já a “Globovisión” é a única que continua de pé, mas não se sabe até quando, uma vez que sua licença de canal aberto vence em 2015. A mesma está para ser vendida depois do próximo dia 14 de abril (dia da eleição). Caso isso realmente aconteça, não haverá mais canal de oposição no país!!! Neste mês de março, um dos acionistas, Guillermo Zuloaga, que está foragido da Justiça nos Estados Unidos, disse em carta que diante dos problemas que a emissora vêm enfrentando, que estaria difícil mantê-la financeiramente. São muitos processos que o canal enfrenta com base na Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão (Resorte), criada durante o governo chavista. A “Globovisión” é acusada de supostamente incitar à guerra, à desordem, entre outras coisas, por ter feito campanha televisiva em defesa da propriedade privada e contra a estatização de imóveis e empresas pelas mãos fortes do Estado – o que ia contra os planos de nacionalização –, além de ter feito cobertura enfática de uma rebelião no complexo penitenciário de Rodeos, em Caracas, que teria resultado em várias mortes, e também fazer uma reportagem que mostrava desperdício de alimentos e medicamentos com validades vencidas por parte do governo. Zuloaga é acusado de supostos crimes de especulação financeira e usura genérica, por causa de sua concessionária de automóveis, por exemplo, negou tudo e se disse vítima de perseguição política.
Em 2009, por exemplo, a juíza Alicia Torres Rivero foi destituída do cargo, por ter se negado a aplicar sanções contra Guillermo Zuloaga, como proibi-lo de deixar o país e obrigá-lo a se apresentar periodicamente ao Ministério Público.
No entanto, Guillermo Zuloaga não foi o único a ser perseguido pelo oficialismo. Em julho de 2010, Nelson Mezerhane, outro acionista da “Globovisión”, teve seu Banco Federal interditado pelo governo, que alegou suposta falta de liquidez. Na época, as autoridades estavam de olho nos 20 por cento de ações que detinha da emissora.
Outra magistrada também esteve na mira do governo: a juíza Maria Lourdes Afiuni. Também, em 2009, o líder venezuelano teria ordenado por meio de seu programa dominical “Alô, Presidente” a prisão dela por 30 anos, por ter concedido liberdade condicional a Eligio Cedeño, um banqueiro crítico ao governo. Na época, a juíza cumpria uma determinação das Nações Unidas (ONU), que considerava sua detenção ‘arbitrária’. Por mais de um ano, ela ficou detida no Instituto de Observação Feminina, onde supostamente teria sofrido abusos sexuais, intimidação e agressões. Só a partir de 2011, foi conduzida à prisão domiciliar, onde aguarda o julgamento, que teve início no fim do ano passado. Em seu perfil no Twitter, Maria Afiuni se definiu como uma ‘sequestrada’.
Em 2010, por exemplo, Rocío San Miguel, uma ativista de direitos humanos, foi acusada por suposta ‘traição’, sendo tachada de ‘agente da CIA (o serviço secreto estadunidense) e de tentar incentivar o golpe de Estado, depois que denunciou na TV que militares de alta patente eram do partido de Hugo Chávez, o que era proibido pela Constituição.
O currículo de ações do governo é bastante extenso. Portanto, não dá pra ficar o dia inteiro falando disso. Entretanto, se pode perguntar aos venezuelanos se o ‘Chavismo’ (1999 a 2013) já teria acabado mesmo ou se vai ter continuação. Ou agora se chamaria ‘Madurismo’??? Mudando ou não de nome, o segundo seria uma continuidade do primeiro, que contaminou a América Latina com uma ideologia neossocialista – para não dizer, mas já dizendo, um comunismo déspota – que só engana quem quer continuar sendo enganado. Novamente, está nas mãos dos venezuelanos decidirem o futuro da América Latina. Votaram mal na vez passada e estão tendo uma segunda chance para corrigir o erro.
Do sumiço à morte
Sabe-se que, a data oficial da morte de Hugo Chávez é do dia 5 de março. Contudo, para o ex-embaixador do Panamá ante a Organização dos Estados Americanos (OEA), Guillermo Cochez, o mandatário já teria tido morte cerebral desde o último dia 30 de dezembro, quando ainda estava internado em Cuba para a quarta cirurgia contra o câncer na região pélvica, disse, no último dia 28 de fevereiro, ao canal colombiano “NTN24”. Ao que parece, o governo não teria conseguido desmenti-lo, pois ao longo dos últimos dias começou a divulgar notas, informando uma piora, já que ele também estaria, supostamente, se recuperando de uma infecção respiratória contraída durante o tratamento, e respirando com auxílio de uma cânula traqueal. Ele teria regressado a Venezuela durante a madrugada do dia 18 de fevereiro, ficando internado no Hospital Militar Carlos Arvelo, publicou o site “Leitura Subjetiva”.
Em sua despedida, líderes de várias partes do mundo estiveram presentes na cerimônia, entre eles a presidenta Dilma Rousseff (Brasil), Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), José Mujica (Uruguai), Rafael Correa (Equador), Raul Castro (Cuba), até mesmo o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, que falou que Chávez voltaria com o Messias depois do Juízo Final.
A verdade é que o presidente Chávez já estaria ausente desde o dia 11 de dezembro, quando deixou Caracas para fazer a tal cirurgia. Nos meses que antecederam sua morte, sua presença foi mais psicológica do que realmente física, deixando dúvida se ainda estaria mesmo vivo ou não. Sua única aparição pública desde então foi ao lado das filhas Rosa Virginia e Maria Gabriela, lendo um exemplar recente do diário cubano “Gramma”, no dia 15 de fevereiro.
Outra verdade inegável é que o líder caraquenho só teria no máximo dois anos de vida, conforme ressaltado pelo cirurgião Salvador Navarrete, em novembro de 2011, ao jornal mexicano “Milenio". Após uma suposta visita e pressão do serviço de inteligência venezuelano, o médico teve que deixar o país de forma repentina.
É preciso admitir que, aparentemente, Chávez confiava mais nos cubanos do que em sua própria gente. A doença – descoberta em junho de 2011 – sempre foi um mistério, já que nunca se informou a parte exata do tumor. Todos os procedimentos cirúrgicos foram feitos na ilha dos irmãos Castro, quem realmente podia confiar, uma vez que sua vida era garantia de continuidade para o abastecimento e sobrevivência de Cuba. Mais do que isso era admitir silenciosamente que seus hospitais não disponibilizavam recursos suficientes para a cura dessa enfermidade.
Pode parecer tolice, mas o falecido mandatário acabou tirando um peso da consciência do Brasil, ao rejeitar o convite da presidenta Dilma Rousseff para se tratar no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, optando por Havana, onde não seria cuidado como um mero paciente. Se ele tivesse morrido aqui, Caracas poderia supostamente ter acusado os médicos de conspiração contra sua vida, como fez recentemente contra os Estados Unidos, alegando que a enfermidade teria sido implantada.
As principais figuras desse picadeiro são: o presidente temporário, Nicolás Maduro; o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello – ex-presidente da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), órgão fiscalizador dos meios – para não dizer inquisidor –; o atual ministro de Relações Exteriores, Elias Jaua, que já foi vice de Chávez; e o ministro de Comunicação e Informação, Ernesto Villegas.
O Chavismo como religião
Com 54,42% dos votos obtidos na eleição presidencial de outubro do ano passado, pode-se dizer que o Chavismo é a segunda maior ‘religião’ da Venezuela, ficando atrás apenas do Catolicismo que é a fé da maioria da população (chavistas e opositores). Ele foi eleito pela terceira vez. E é sob essa doutrina política que a atual gestão tem conseguido governar o país, cujo simbolismo o converteu em uma espécie de ‘entidade’, para não mencionar um ‘encosto’. O que motivou, por exemplo, uma suposta violação ao Artigo 231 da Constituição local, que determina a convocação de uma nova eleição no prazo de 30 dias, se por algum motivo um candidato eleito a presidente não pudesse tomar posse no dia 10 de janeiro, tendo como cúmplices o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o Tribunal Superior de Justiça (TSJ) e a Assembleia Nacional (AN), nesta cujo presidente é seu colega de partido (PSUV) Diosdado Cabello.
As informações prestadas pelo governo eram muito escassas e cheias de mistérios. Este se limitava a falar que o mandatário continuava se recuperando de uma infecção pulmonar. A falta de dados consistentes acabou sendo utilizada como justificativa pelo diário espanhol “El País” que, no último dia 24 de janeiro, cometeu um dos maiores erros de sua história jornalística: publicar a foto de um homem que sofria de gigantismo na capa de sua edição impressa, e atribuí-la ao líder sul-americano. A falha foi denunciada por internautas uma hora depois, aproximadamente, por meio das mídias sociais, que enviaram ao jornal o link de um vídeo datado de 2008 com a mesma imagem. Apesar das desculpas do periódico, as autoridades venezuelanas não o perdoaram, aproveitando-se do acontecido e usando-o como motor para alegar uma suposta perseguição contra Chávez, e ao mesmo tempo valendo-se do mesmo para manter a população sob controle e esperança de que ele um dia voltaria a exercer suas funções. O feito do “El País” coincidiu com o dia nacional do Jornalismo, noticiou o “Leitura Subjetiva”.
Definitivamente, na Venezuela a política é uma questão de religião, cujos simpatizantes se mostraram fanáticos e até omissos diante das supostas investidas estatais contra a liberdade de expressão. No que depender destes, o show continua por mais seis anos.
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