Quarta-feira, 09 de julho de 2014 Após derrota da Seleção, ônibus são queimados e loja é saqueada, em São Paulo. Imagem: Divulgação...
Quarta-feira, 09 de julho de 2014
Após derrota da Seleção, ônibus são queimados e loja é saqueada, em São Paulo.
Imagem: Divulgação
A "pátria do futebol", só isso |
Pelo menos 10 ônibus foram incendiados em São Paulo, na noite dessa terça-feira (8/7), na garagem de uma empresa, logo após a derrota da Seleção Brasileira contra a Alemanha por 7 a 1. De acordo com o jornal “O Globo”, foram pelo menos oito coletivos. Já a rádio “Jovem Pan” contou uns 15. O portal mineiro “O Tempo” informou 23. Além disso, uma loja de uma grande rede varejista foi alvo de saques, e uma bandeira brasileira foi queimada na mesma cidade. Também houve confusão em algumas capitais do país, inclusive confronto entre policiais e manifestantes, em Belo Horizonte, na cidade que se tornou o palco desse vexame nacional.
Aparentemente, isso demonstra que o brasileiro, boa parte, não tem maturidade para lidar com a perda. Definitivamente, o patriotismo – ou “patriotimismo” (junção de pátria com otimismo) – só é visto de quatro em quatro anos e se resume ao futebol. Porque no dia a dia, o mantra retórico é o do pessimismo. A ignorância de alguns não os permitiu entender que as empresas de ônibus não têm nada a ver com a Copa, e que a sociedade perde com os atos de vandalismo. Pois, nem jogador nem político andam de transporte público.
Tudo isso serve para realçar o amadorismo da consciência social e política no Brasil, cuja política ora tende a confundir-se com o futebol, ora com a religião. O país ainda não aprendeu a distinguir uma coisa da outra, o que representa uma derrota social. Prova disso é que em 1970 – na Ditadura Militar –, quando a Seleção se tornou tricampeã, o êxito já era explorado por aquele governo para influenciar a opinião pública e atrelar uma imagem à outra.
No último dia 27 de junho, o diário espanhol “El País” publicou um artigo no qual afirmava que a estabilidade política da nação sul-americana, em relação aos protestos, dependia da continuidade da Seleção Brasileira na disputa pela taça. Será que se pode tirar a mesma conclusão quanto à imagem do atual governo??? A pergunta precisa ser mais transparente: será que isso poderia influenciar o resultado das eleições deste ano??? Note-se que as recentes manifestações ocorridas no país – pouco divulgadas pela mídia televisiva – não tiveram muito a ver com os gastos para a Copa do Mundo, e sim por motivos, supostamente, oportunistas e/ou até mesmo chantagistas. Não é o futebol que distrai o povo, e sim este que se deixa distrair por conivência e conveniência. Os recentes protestos costumavam ocorrer antes ou depois das partidas do Brasil. Nessas horas aquele patriotismo político dava lugar ao nacionalismo esportivo.
Quando não se pode ser campeão na saúde, na educação, entre outras coisas, o que resta é apelar para o emocional, forjar a própria alegria para ter o que se orgulhar, como uma espécie de superioridade estética que não vai agregar nada à população. No Brasil, vencer uma partida de futebol chega a ser tão importante quanto qualquer necessidade fisiológica. O que muita gente ainda não se deu conta é que, independente do resultado, os jogadores continuarão recebendo o rico dinheirinho, e o povo, na merda.
Agora, mais do que nunca, vai ter gente criticando os elevados gastos com o evento e dizendo que teria sido melhor investir em saúde, em educação e em segurança. Sempre será melhor investir em saúde, em educação e em segurança!!! Não é questão de se defender ninguém aqui, mas vale ressaltar que a realização da Copa do Mundo não estava condicionada ao Brasil vencê-la. A previsão de gastos gira em torno dos R$ 25,6 bilhões, sendo a maioria financiados pelos poderes públicos (federal, estaduais e municipais). É importante ter em mente que só há “circo” se tiver público.
O povo costuma reclamar do caos da saúde e da educação, por exemplo. Mas, quando se coloca o futebol acima da falta de médicos, das longas filas nos hospitais e das consultas que podem levar meses, da falta de professores e da má qualidade do ensino, dos transportes públicos ineficientes, das estradas com rachaduras logo depois de construídas, das pontes que caem, dos elevados impostos, dos elevados índices de corrupção e de impunidade, da falta de segurança, e de tantas outras coisas, no fim conclui-se que cada tem aquilo que merece.
Em 2007, quando o Brasil foi escolhido para sediar o evento, a população foi favorável. Seis anos depois, resolveu arrepender-se tardiamente. Ainda está cedo para dizer se foi em vão ou não.
Agora que o “sonho” do Hexacampeonato acabou, ou melhor dizendo, foi adiado, o brasileiro parece estar saindo de seu estado hipnótico esportivo para um breve despertar político, o que é preocupante. Porque brasileiro, sem generalizar, costuma agir conforme o calor do momento, e não por racionalidade. O futebol aqui, quase uma religião, tem esse poder esquizofrênico. Contudo, a maior conquista dessa Copa aconteceu há pouco mais de um ano com a onda de protestos que tomou conta do país, inicialmente pelo reajuste das tarifas de transportes públicos e contra os gastos do Mundial, depois por outras questões de interesse público até que os atos foram “reivindicados” para fins particulares, embora houvesse tentativas de dá-los um caráter coletivo. Outra grande derrota social é não conseguir enxergar isso.
Até hoje indaga-se se o tal “gigante” realmente acordou ou se apenas levantou-se para ir ao banheiro e voltou para a cama. O que se pode dizer é que esse tal “gigante” é egoísta. Porque somente os campos são “risonhos e lindos”. Não se pode dizer o mesmo dos hospitais, das escolas e de todo o resto.
Apenas para evitar má interpretação: o problema não é o futebol em si, e sim a inversão de valores. Pois, quando se faz escolhas erradas, a derrota já é iminente.
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