Não se pode esperar muita coisa da Unasul e da OEA no caso de Antonio Ledezma

Segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015 Comitiva de chanceleres irá a Venezuela acompanhar detenção de prefeito opositor a Nicolás Madur...

Segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Comitiva de chanceleres irá a Venezuela acompanhar detenção de prefeito opositor a Nicolás Maduro; deputado Eduardo Cunha cobra atitude do governo brasileiro

Imagem: Vecteezy / Divulgação
Mapa da Venezuela
Nos próximos dias, uma comitiva de chanceleres da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) – formada por Brasil, Colômbia e Equador – irá a Venezuela para acompanhar a detenção arbitrária do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, na última quinta-feira (19/2), pelo Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin). Ele foi acusado de estar envolvido num suposto Plano Jericó de golpe de estado com o apoio dos Estados Unidos (EUA), cujo objetivo seria bombardear o Palácio Miraflores (a presidência) e as sedes do Ministério de Defesa e do canal estatal Telesur. No entanto, não se pode esperar muita coisa desse bloco.

O líder venezuelano Nicolás Maduro criticou as supostas interferências estrangeiras em seu país com o fito de desestabilizar seu governo e classificou os Estados Unidos de 'psicóticos'. Falou que prevalecerão a paz, a independência e, para a tristeza de muitos, o socialismo.

A prisão de Ledezma tira a Unasul da zona de conforto, de continuar fechando os olhos para o fato de que a Venezuela vive uma ditadura e enfrenta uma grave crise com vieses político, econômico e moral.

Falta saber se Maduro receberá os ministros de Relações Exteriores ou os chamará de golpistas, como fez, recentemente, numa atitude defensiva, com os ex-presidentes Sebastian Piñera (Chile), Andres Pastrana (Colômbia) e Felipe Calderón (México), que tentaram visitar o ex-prefeito de Chacao, Leopoldo López, mas não conseguiram. López é um dos principais opositores ao Chavismo, preso há um ano sob acusação de terrorismo, incitação à violência, depredação do patrimônio, após participar de um protesto contra o governo que resultou em 43 mortos e mais de 1.400 feridos.

O apressado aviso de uma comissão a Caracas também é para evitar uma ingerência da comunidade internacional, a começar pela Organização dos Estados Americanos (OEA) que conta com os Estados Unidos, o Canadá e o Panamá, por exemplo. Esses três já criticaram o governo venezuelano em determinadas ocasiões.

Mais do que um bloco regional com finalidades política, econômica, social e militar, a Unasul – hoje composta por nações cujos governos são, em boa parte, de esquerda – virou uma espécie de clubinho do Foro de São Paulo, no qual um protege e/ou até mesmo encobre as canalhices do outro, quando é conveniente. Em nome do antiamericanismo, o fim parece justificar os meios.

O mesmo se aplica à OEA, que também foi transformada num reduto socialista em que os Estados Unidos, o Canadá e o Panamá se tornaram os intrusos, não mais países-membros. Em nota, o secretário-geral José Miguel Insulza disse que a detenção de Ledezma provocou um forte 'alerta', pela forma agressiva como foi conduzido por militares, e porque sua imunidade como prefeito não foi respeitada.

Desde que o venezuelano Hugo Chávez assumiu o poder pela primeira, em 1999, até seu óbito oficial em 2013, liderou um movimento com o intuito de romper a influência dos EUA sobre a América Latina, inclusive com a proposta de criação da Organização dos Estados Latino-Americanos (OEL), uma espécie de OEA sem os estadunidenses e os canadenses, mas que nunca saiu do papel. Ou pode-se dizer que a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), surgida há cinco anos, desempenha tal função. A tentativa de isolamento aos Estados Unidos, por parte de líderes do continente, reforça, de maneira silenciosa, o incômodo de que o país tenha, supostamente, apoiado as ditaduras brasileira (1964-185) e chilena (1973-1990) e golpes de estado na Guatemala, na década de 50, na Venezuela, em 2002, por exemplo.

Apesar de o advogado Omar Estacio aparentar otimismo perante a soltura de seu cliente, apelando para o fato de Ledezma ter sido reeleito democraticamente em 2013, a coisa não está nada fácil. Além de ser uma grande pedra no sapato de Maduro, o líder municipal é de direita. Poderia ser liberado em até 45 dias. Na pior das hipóteses, se julgado, poderia ficar na cadeia por até 28 anos, de acordo com a imprensa local. Se a Justiça e o governo não respeitaram uma ordem expressa das Nações Unidas (ONU) para liberação ao sequestrado político Leopoldo López, provavelmente, não têm porque fazê-lo em relação a Ledezma. Admitir isso ao povo venezuelano seria o mesmo que dizer para desistirem de lutar.

A primeira-dama de Caracas, Mitzi, tuitou (foto) no perfil do marido, pedindo para os venezuelanos não desistirem: “Antonio [Ledezma] lhes envia uma mensagem de união e solidariedade, tal como sempre foi espírito democrático. Não abandonemos a rua!”

Imagem: Twitter / Reprodução


Antonio Ledezma foi detido com base num suposto depoimento, sob tortura, do tenente-coronel Jose Arocha, preso desde maio do ano passado, segundo Estacio, em entrevista ao diário venezuelano 'La Verdad', desse domingo (22).

Repercussão internacional

Inicialmente, os EUA não só negaram a acusação, como também a tacharam de 'ridícula'. Já em nota, consideraram 'uma tentativa clara do governo venezuelano para desviar a atenção de desafios econômicos e políticos do país'. “Em vez de aprisionar e intimidar seus críticos, o governo deve se concentrar em encontrar soluções reais, através do diálogo democrático”, manifestou o Departamento de Estado.

“Os problemas da Venezuela não podem ser resolvidos através da criminalização da legitimidade e da dissidência democrática. Essas táticas de violar os direitos humanos básicos do povo venezuelano e as liberdades, e menosprezar os princípios e valores consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e da Carta Democrática Interamericana.

O governo venezuelano deve liberar os que tenham sido presos injustamente e respeitar os direitos humanos fundamentais, incluindo a liberdade de expressão, de associação e de reunião pacífica. Os Estados Unidos apelam a outros países, líderes e organizações para que instem ao governo venezuelano para que cessem seus esforços de silenciar a oposição política e de enfraquecer ainda mais as instituições democráticas”, continuou a chancelaria norte-americana.

Nas redes sociais, a vice-presidente e ministra de Relações Exteriores panamenha, Isabel Saint Malo, disse que 'é preciso respeitar as autoridades eleitas e os direitos dos opositores'. As diferenças entre a Venezuela e o Panamá se acentuaram, em 2013, quando o ex-embaixador panamenho perante a OEA, Guillermo Cochez, fez críticas à situação de Caracas e afirmou que o então presidente Hugo Chávez estaria morto, enquanto o governo sustentava a versão de que continuava seu tratamento contra o câncer em Cuba. Por causa de tais declarações, o diplomata foi demitido do posto, o que minimizou um pouco a crise. Mas, foi em 2014 que esses laços foram gravemente afetados: o Panamá cedeu sua cadeira na OEA para a então deputada venezuelana María Corina Machado, para que pudesse denunciar as supostas violações de direitos humanos em seu país. Por causa disso, ela perdeu o mandato.

O mandatário colombiano Juan Manuel Santos pediu que as garantias constitucionais fossem dadas a Ledezma, e negou haver um complô formado por seu país junto com Miami e Madrid, conforme acusação de Nicolás Maduro, ao anunciar em cadeia nacional de TV sua prisão. O pronunciamento foi transformado numa espécie de show midiático, como se o prefeito de Caracas fosse um troféu.

Quem tem opinião similar à do título deste artigo é o ex-governante colombiano Alvaro Uribe: “Inutilidade do Conselho de Segurança da Unasul fica confirmada com sua inexistência ante a agressão à oposição democrática da Venezuela. Os chefes de Estado democratas do continente deveriam parar os abusos da ditadura da Venezuela. Para que serve a OEA e tanta conferência! (sic)”

A posição do governo brasileiro sempre foi dizer que não se intrometia em assuntos internos de outros países. Exceto quando o interessa!!! Talvez por desconforto, o Itamaraty tenha informado que acompanha 'com grande preocupação' o desenrolar da situação no país vizinho.

Não custa nada lembrar que, em 2012, o Paraguai foi suspenso da Unasul e do Mercado Comum do Sul (Mercosul), com o apoio explícito do Brasil de Dilma Rousseff, depois que o Congresso cassou o mandato do então presidente Fernando Lugo, por causa de um conflito entre policiais e camponeses sem-terra, que registrou mortes. Na época, os dois blocos classificaram como um golpe de estado e criticaram a falta de tempo dada ao chefe de Estado para defender-se. A saída de Assunção foi oportuna para a inclusão da Venezuela ao Mercosul, que não tinha recebido o aval dos parlamentares guaranis até aquele instante. Brasil, Argentina e Uruguai já tinham dito sim. Sem o Paraguai, não havia mais impedimento legal.

Em 2009, o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva retirou seu embaixador em Honduras, depois que militares depuseram o então presidente Manuel Zelaya. O incidente foi considerado um golpe de estado. O motivo foi que o mandatário centro-americano estaria, supostamente, tentando violar a constituição para fazer uma consulta popular – financiada por Hugo Chávez – de reeleição. A diplomacia brasileira foi exposta ao ridículo: Zelaya, sua família e vários militantes se refugiaram na Embaixada brasileira, que teve luz, água e telefonia cortadas. E ao que consta, a comida que chegava ao local era vetada aos anfitriões pelos hóspedes. Para conseguirem deixar o imóvel, os funcionários sul-americanos tiveram de pedir ajuda da Embaixada dos EUA. Mesmo após as novas eleições realizadas no início do ano seguinte, com a vitória de Porfirio Lobo, o Brasil se recusou, por algum tempo, a reconhecer seu resultado. Por tudo isso, deixou de desempenhar um papel protagonista como líder latino-americano, e tentar remediar a situação, para se tornar o antagonista.

Nesse domingo (22), o presidente da Câmara, deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cobrou atitude de Brasília: “Mudando de assunto, quero deixar o meu protesto pelas prisões absurdas do regime da Venezuela, tentando calar a oposição”; “não dá para os países democráticos assistirem isso de braços cruzados como se fosse normal prender oposicionista, ainda mais detentor do mandato”; “até quando o Brasil ficará calado sem reagir a isso?”

O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) também criticou a prisão de Ledezma. “(…) Sob pretextos vagos, opositores têm sido detidos ou mesmo sequestrados, como aconteceu ontem com o prefeito da área metropolitana de Caracas, Antonio Ledezma – preso mediante coação e sem qualquer ordem judicial. Abusos já vitimaram antes Leopoldo López e a deputada María Corina Machado. Consideramos inconcebível que um país-membro do Mercosul continue a desrespeitar as cláusulas democráticas que regem o bloco sem que os demais integrantes, como é o caso do Brasil, sequer se pronunciem a respeito (...)”, declarou.

Distrações políticas

Vale salientar que as autoridades venezuelanas não apresentaram provas do envolvimento de Ledezma nesse tal plano golpista. Fica a dúvida se o mesmo existiu ou se teria sido uma suposta invenção por certos motivos:

1) recentemente, o presidente da Assembleia Nacional, deputado Diosdado Cabello, o segundo no Chavismo, foi denunciado, junto a outros integrantes do governo, por suposto nexo com o narcotráfico. Um novo escândalo poderia abafar outro.

2) o prefeito de Caracas derrotou, em 2013, o chavista Ernesto Villegas, ex-ministro das Comunicações. Durante o comunicado de sua detenção, Maduro anunciou que iria propor novas eleições para o cargo.

3) ademais a crise econômica com o baixo preço do petróleo no mercado internacional e inflação acima dos 60% ao ano, a imprensa local relata escassez de frango, macarrão, leite, papel higiênico, papel imprensa para a produção de jornais, medicamentos e até de preservativos, entre outros itens. Além da suposta dificuldade de conseguir comida para o corpo – devido às longas filas nos supermercados e a limitação por pessoa e/ou família –, a memória de Hugo Chávez parece não servir mais o suficiente de alimento espiritual para sustentar um poder autofágico. No ano passado, o regime anunciou a implantação do sistema biométrico nos supermercados para controlar a quantidade de produtos consumida pelos cidadãos. Em vez de buscar uma solução para o problema, optou por regulamentá-lo.

No mesmo dia que Maduro comunicava o suposto Plano Jericó, Lilian Tintori, esposa de Leopoldo López, afirmou que militares encapuzados invadiram a cela do marido como forma de intimidação. A data coincidia com o aniversário de um ano de um protesto contra Maduro que resultou em 43 mortos e mais de 1.400 feridos. Uma semana após (19), no dia da detenção de Ledezma, Tintori informou que López teria sofrido uma suposta tentativa de sequestro na prisão.

Também no passado dia 12 de fevereiro, o Palácio Miraflores promovia uma reunião com representantes de multinacionais espanholas. Estes, supostamente, foram chantageados de expropriação se não ajudassem a melhorar a imagem da Venezuela diante do governo e da imprensa espanhola, os quais foram acusados de promover uma campanha negativa contra a nação sul-americana. Em vez de se preocuparem em resolver os problemas que afligem o país, pareceram mais dispostos a maquiá-los.

“Hoje o povo na rua pede aos gritos e é a mensagem que manda Antonio [Ledezma]: Renuncia, Maduro!”, postou Mitzy Ledezma no perfil do prefeito.

Desde o último dia 11 deste mês, está em aberto uma petição, na qual pede novas eleições, o reestabelecimento da democracia do país, a independência de poderes e do Banco Central da Venezuela (BCV), a libertação de presos políticos, a facilitação do retorno de exilados políticos, a recuperação da capacidade operativa e financeira da petrolífera estatal PDVSA, o combate à corrupção e a recuperação da economia, por exemplo. O documento intitulado Acordo Nacional para a Transição é firmado pelos principais líderes da oposição: Antonio Ledezma, Leopoldo López e María Corina Machado. Pelo menos 13.860 pessoas já o assinaram.

Pelo que se pôde notar, o nome do opositor Henrique Capriles Randoski, governador do estado de Miranda, não aparece ao lado de seus colegas no abaixo-assinado. Em outubro de 2012, numa eleição antecipada em dois meses, ele disputou com Hugo Chávez a presidência, mas perdeu e reconheceu a derrota. Na ocasião, o governante bolivariano já se tratava do câncer na região pélvica. Parecia saber que não viveria muito tempo. Em abril de 2013, Capriles voltou a competir pelo cargo, mas contra Nicolás Maduro, após a morte de Chávez, e perdeu novamente. Embora esta eleição apresentasse viés democrático, foi questionada por Capriles, que chegou a pedir à Justiça Eleitoral a recontagem dos votos, devido à pequena diferença. Porém, não obteve êxito.

Também intriga o fato de Leopoldo López, junto com Maria Machado, ser acusado de participar do suposto Plano Jericó, quando se sabe que as visitas de sua esposa e de seu advogado à prisão são bastante restritas.

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Opinólogo - Jornalismo Opinativo: Não se pode esperar muita coisa da Unasul e da OEA no caso de Antonio Ledezma
Não se pode esperar muita coisa da Unasul e da OEA no caso de Antonio Ledezma
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