Quinta-feira, 05 de janeiro de 2017 OAB-AM processa governo amazonense; para governador ‘não tinha nenhum santo’ entre os mortos En...
Quinta-feira, 05 de janeiro de 2017
OAB-AM processa governo amazonense; para governador ‘não tinha nenhum santo’ entre os mortos
Entidades de direitos humanos criticam massacre em presídio de Manaus
Imagem: SEAP-AM / Divulgação
Entrada do Compaj |
“Nas últimas décadas, as autoridades brasileiras gradativamente abdicaram de sua responsabilidade de manter a ordem e a segurança nos presídios”, criticou a diretora da HRW para o Brasil, Maria Laura Canineu.
“O fracasso absoluto do Estado nesse sentido viola os direitos dos presos e é um presente nas mãos das facções criminosas, que usam as prisões para recrutar seus integrantes”, continuou a dirigente da entidade de defesa dos direitos humanos.
“É comum que presos se associem às facções em busca de proteger suas vidas enquanto estão na prisão, permanecendo parte delas depois de soltos”, completou Maria Laura.
Em 2014, os presídios brasileiros contavam com uma população de 622 mil detentos, embora a capacidade fosse apenas para 372 mil. A HRW lembrou também que de 2004 a 2014, as penitenciárias tiveram um aumento de 85% de prisioneiros, e que 40% estão à espera de julgamento, algo em torno de 250 mil, mas são mantidos com os já condenados.
No estado do Amazonas, por exemplo, 56% dos detentos estão em regime provisório, segundo o Ministério da Justiça e Cidadania. O percentual é maior do que a média nacional de 40%, isso até abril do ano passado.
Já a Anistia Internacional frisou que o Compaj estava superlotado, com 1,2 mil detentos, embora sua capacidade fosse no máximo de 454.
“A superlotação e as péssimas condições do Complexo Anísio Jobim, assim como do sistema prisional do Amazonas como um todo, já tinham sido denunciadas pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, mas as autoridades não adotaram as medidas necessárias e a situação apenas se deteriorou”, destacou a assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional para o Brasil, Renata Neder.
Para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a barbárie ocorrida em Manaus não seria um caso isolado, e reflete a situação crônica do sistema carcerário do país.
“Pessoas que estão detidas estão sob a custódia do Estado e, portanto, as autoridades do Estado têm responsabilidade sobre o que ocorre com elas. Os Estados devem assegurar que as condições de detenção sejam compatíveis com a proibição de tortura e outros tratamentos e penas cruéis, desumanos e degradantes. Essas condições devem também ser compatíveis com o direito de toda pessoa privada de liberdade ser tratada com humanidade, e com a inerente dignidade da pessoa humana, conforme reconhecido pelos instrumentos internacionais de direitos humanos. O Comitê de Direitos Humanos em seu Comentário Geral nº 21 afirmou que esse tratamento humano é um padrão básico de aplicação universal que não pode depender inteiramente de recursos materiais e que deve ser aplicado sem discriminação.
O que aconteceu em Manaus não é um incidente isolado no Brasil e reflete a situação crônica dos centros de detenção no país. Portanto, nós instamos as autoridades brasileiras a tomarem medidas para prevenir essa violência e para proteger aqueles sob custódia.
Nós saudamos as informações de que o Governo do Estado do Amazonas está formando uma força tarefa para investigar as rebeliões e mortes no Complexo Prisional Anísio Jobim e instamos que isso leve a uma investigação imediata, imparcial e efetiva dos fatos que resultarão nos responsáveis sendo levados à justiça”, expressou o ACNUDH.
Já a Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins lucrativos, condenou o que chamou de ‘política punitivista’ e sustentou que é preciso entender a composição da população carcerária brasileira, ‘formada basicamente pelos excluídos dos mercados de trabalho e de consumo, jogados, em abandono, para as redes de organizações criminosas que comandam estabelecimentos penitenciários que se assemelham a masmorras medievais’.
OAB-AM processa governo do Estado
A seccional Amazonas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AM) ingressou com uma ação civil pública contra o governo amazonense, na última terça-feira (3), alegando não ter informações concretas sobre as ações tomadas durante o motim no Compaj. A ação teve como base a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). Liminar concedida em regime de plantão pela juíza Marília Gurgel determinou que o Estado responda em até 72 horas sobre o assunto. No processo, a entidade advocatícia insta a criação de um plano para o sistema prisional estadual em até 30 dias, e disse que as autoridades de Segurança Pública estavam cientes, desde 2015, de que tal tragédia poderia acontecer, mas não fizeram nada para evitá-la.
“Esse é um caso muito grave e preocupante, por isso a comissão vai se reunir extraordinariamente para tratar desse assunto e elaborar um parecer. Foi uma tragédia anunciada e nada foi feito. Desde de outubro de 2015, o Estado tinha indícios de que isso poderia acontecer e nada fez. O Amazonas entrou para a história com o pior massacre entre presos já registrado”, acusou o advogado Glen Wilde, membro da comissão local para os Direitos Humanos.
O massacre
“Houve uma guerra de facção por espaço, que acontece fora das penitenciárias e desta vez foi dentro das penitenciárias. Foi um caso fortuito que fica muito difícil de conseguir identificar, até porque eles têm uma linguagem própria. A grande verdade é que durante todo o ano conseguimos evitar muitas fugas. Isso faz parte de um movimento nacional que já teve em Roraima, Acre, Porto Velho, no Nordeste e agora conosco. Não é um fato isolado. O que nos causou o espanto foi a forma tão agressiva e dura. Muitas medidas serão tomadas agora no sentido de retirar, uma vez identificado legalmente, vários deles para transferência”, expressou o governador do Amazonas, José Melo (Pros-AM).
Em entrevista à Rádio CBN, nessa quarta-feira (4), o mandatário falou que ‘não tinha nenhum santo’ entre os mortos, e sim ‘estupradores’ e ‘matadores’.
Dos 60 mortos, 56 são do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e os quatro restantes, da Unidade Prisional Puraquequara (UPP). Há registros de esquartejamentos e decapitações de detentos, no que parece uma disputa territorial entre facções. A versão inicial é de que uns mataram os outros, sem intervenção policial.
Durante o massacre, que durou cerca de 15 horas e já é considerado o pior do estado nortista e o segundo maior do país – ficando atrás somente ao do Carandiru, com mais de 100 mortes –, 184 detentos conseguiram fugir, mas 48 deles já tinham sido recapturados até a última terça-feira (3). Do total de fugitivos, 112 eram do Compaj, enquanto que os 72 restantes, do Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat). Uma ação coordenada entre as polícias Militar, Civil e Rodoviária Federal está em andamento, para recapturar os demais.
Entre os dias 1º e 2 deste mês, a OAB-AM foi chamada pelo governo amazonense para acompanhar as negociações com os detentos.
O juiz Luís Carlos Valois, titular da Vara de Execuções Penais (VEP), também participou das negociações junto aos presos, mas acabou virando alvo de especulações. De negociador, tornou-se suspeito de suposto envolvimento com a facção Família do Norte, por conta de interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal em que nome dele é mencionado pela quadrilha, na tentativa de ajudá-lo a permanecer no posto.
Uma força-tarefa, formada por órgãos governamentais e do Judiciário, foi criada para dar uma resposta à opinião pública e apurar o caso. Os líderes da rebelião, após serem identificados, serão transferidos para presídios federais e poderão responder criminalmente. Impressões digitais nos corpos das vítimas têm sido coletadas.
O governo do Amazonas informou estar monitorando possíveis rebeliões em presídios desde outubro do ano passado, o que teria possibilitado a descoberta de nove túneis que seriam usados para fuga.
A ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pretende ir a Manaus, nesta quinta-feira (5), para acompanhar o caso. Em dezembro passado, ela já havia anunciado que este último órgão faria um censo da população carcerária no país.
O governo amazonense anunciou que pretende construir três novos presídios, um em Parintins, outro em Manacapuru, e outro em Manaus. Neste último seria uma penitenciária agrícola numa Parceria Público-Privada (PPP), com capacidade para 3,2 mil presos.
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