Quarta-feira, 28 de junho de 2017 Relatora havia sugerido a Kroton vender a Anhanguera e a Uniderp Imagem: Rafael Lima dos Santos /...
Quarta-feira, 28 de junho de 2017
Relatora havia sugerido a Kroton vender a Anhanguera e a Uniderp
Imagem: Rafael Lima dos Santos /
Google Mapas / Reprodução
Estácio, Campus Tom Jobim, na Barra da Tijuca, no RJ |
Votaram contra a união da Kroton e a Estácio o presidente do Cade, Alexandre Barreto de Souza, e os conselheiros Alexandre Cordeiro, Gilvandro Araújo, João Paulo de Resende e Paulo Burnier da Silveira. O único voto a favor, mas com ressalvas, foi da conselheira Cristiane Alkmin J. Schimidt, que era relatora do caso.
A relatora havia proposto que a Kroton ficasse proibida de realizar aquisições pelos próximos cinco anos e se desfizesse da marca Anhanguera e da Uniderp. Esta última atua na modalidade educação à distância (EAD).
Desde que o Cade manifestou parecer se opondo à compra da Estácio pela Kroton, em fevereiro passado, já era esperado que a negativa se repetisse.
“A indicação de eficiências, remédios ou soluções efetivas aos problemas identificados pela Superintendência-Geral ou pelo Tribunal é tarefa essencialmente das requerentes. A preservação do interesse público, a função social das empresas e a defesa da livre concorrência são valores que exigem que as partes colaborem com o poder público para endereçar arranjos que privilegiem benefícios líquidos ao consumidor”, expressou o presidente do Cade, Alexandre Souza.
Em nota conjunta, as duas gigantes da educação disseram que a operação de aquisição se tornou ‘sem efeitos, com resilição automática do seu protocolo e justificação’. Na prática, significa que a Kroton poderá pagar uma multa por rescisão de contrato. Durante um ano, tempo que vigorou o processo de fusão, a Estácio ficou impedida de negociar com outros compradores e também poderia sofrer revés financeiro, como a desvalorização das ações na Bolsa de Valores ante a negativa do Cade. A multa seria uma medida compensatória da ofertante por eventuais prejuízos à ofertada. Elas não pretendem recorrer. Em nota, disseram respeitar a decisão final e que seguirão de maneira ‘independente’.
Apesar de as justificativas do tribunal econômico serem coerentes, tal decisão pode ter sido influenciada pelo fato de o Cade ter sido citado, recentemente, na delação premiada de Joesley Batista, dono do grupo J&f a holding que controla a JBS. O empresário é investigado em escândalos de corrupção e fez acusações contra o presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), a ex-presidente Dilma Rousseff (PT-RS) e tantos outros políticos. A aprovação da fusão entre Kroton e Estácio poderia ser motivo de indagações futuras.
A pergunta que o mercado quer saber
O não do Cade é bom ou ruim? Essa é uma pergunta que tanto o mercado quanto o meio acadêmico querem saber. Há prós e contras nisso. Como destacou a relatora do caso, Cristiane Schmidt, a Kroton já possui 37% do mercado de EAD. Com a fusão, deteria 46%. No ensino presencial não teria rivalidade suficiente em oito cidades brasileiras: Macapá (AP), Campo Grande (MS), Niterói (RJ), São José (SC), Santo André (SP), São Luís (MA), Belo Horizonte (MG) e Brasília (DF).
Em comparação com a Kroton, por exemplo, a Estácio tem uma presença maior no Rio de Janeiro do que em São Paulo, enquanto a Kroton, o oposto. Ambos os grupos possuem presença em outros estados da federação, sendo que a Estácio, pelo menos na rede presencial, está em todo o Nordeste. No caso desses dois estados do Sudeste ocorreria uma espécie de complementariedade geográfica.
“Como a Kroton tem marcas fortes no presencial, Anhanguera e Pitágoras, por exemplo, que alavancam o EAD, a preocupação é que a compra da Estácio lhe dará uma vantagem competitiva ainda maior”, explicou a relatora.
Além da Anhanguera, da Uniderp e da Faculdade Pitágoras, a Kroton é gestora da Unopar, da Faculdade Fama, entre outras. Já a Estácio é proprietária da Faculdade São Luís, Faculdade de Natal, entre outras, além da Uniseb, que atua na modalidade EAD.
Há um ano, quando a Kroton comunicou ao mercado interesse de se juntar à Estácio, as ações da primeira tiveram alta de 13,56% e estavam sendo negociadas a R$ 12,73 no Ibovespa, enquanto que as da segunda a alta foi de 23,74% a R$ 13,71. Em aproximadamente um mês, o processo de compra tinha sido oficializado por R$ 5,5 bilhões.
Já na semana passada, às vésperas do esperado julgamento do Cade, as ações da Kroton tiveram queda de 7%, mas nesta quarta-feira (28) registrou uma alta de 3,7%. As ações da Estácio, por sua vez, caíram 12,5% na semana anterior, publicou a revista ‘Exame’.
A Kroton já é a maior mantenedora de ensino do país e do mundo. A aquisição da Estácio só reforçaria seu gigantismo, tendo em vista que a gestora carioca é a segunda maior do setor.
Para a comunidade acadêmica, a negativa pode tem seu lado positivo: para os alunos, a não concentração de mercado; para os docentes, o não fechamento de postos de trabalhos pela eventual falta de opção, o que poderia resultar em salários mais baixos.
Oposição à fusão
Nos primeiros dias após a Kroton iniciar as tratativas com a Estácio, a seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) tinha recorrido ao Cade contra a fusão, ao alegar que haveria concentração ‘ilegal’ ao mercado e citar a Lei de Concorrências (Lei nº 12.529/2011), que estabelece que a concentração superior a 20% poderia ferir a concorrência.
Na ocasião, o Sindicato dos Auxiliares Administrativos de Administração Escolar do Rio de Janeiro (SAAE-RJ) também se opôs à fusão junto ao Cade. A entidade patronal sustentou que a combinação de negócios não envolveria dinheiro, e sim troca de ações, e que os empregados da Estácio viam isso com ‘angustia e preocupação’ e temiam demissão em massa num eventual processo de restruturação de custos.
A entidade sindical também acusou as duas mantenedoras de suposta formação de ‘monopólio’, e frisou que a Estácio não atravessa nenhum tipo de crise financeira que justificasse sua venda.
“O simples cotejo da prática anunciada pela Estácio e pela Kroton forçosamente conduz à conclusão de que o seu objetivo é a transformação da educação em mercadoria, o que, aliás, já o faz há tempo, face ao silêncio do MEC (Ministério da Educação) e do Ministério Público Federal (MPF) (...)”, manifestou o SAAERJ em documento enviado ao Cade.
Oposição à cisão
Já a Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades (Abrafi) e a Associação Nacional dos Centros Universitários (Anaceu) tinham se manifestado contra a cisão entre a Uniseb e a Estácio, ao defenderem que não poderia haver separação de cursos de uma mesma mantenedora e que tal decisão caberia ao Ministério da Educação (MEC) em vez do Cade.
Breve análise
O fim das negociações entre a Kroton e a Estácio não significa que não possa aparecer outros investidores. É preciso ficar atentos aos próximos capítulos No ano passado, o grupo Ser Educacional quis entrar na disputa após a mantenedora paulista divulgar a seus acionistas o interesse pelo grupo carioca. Contudo, não foi uma oferta à altura do que a Kroton fez e do que realmente a Estácio vale em termos de marca e de alcance de mercado.
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