Quarta-feira, 14 de dezembro de 2016 Motivados por propaganda de que estudariam de graça, ex-alunos são surpreendidos por estarem com n...
Quarta-feira, 14 de dezembro de 2016
Motivados por propaganda de que estudariam de graça, ex-alunos são surpreendidos por estarem com nome sujo e devendo ao Fies, e exigem que a IES arque com as dívidas
Breve histórico
Eles ingressaram no Ensino Superior com um sonho, mas saem dele com um pesadelo. Cerca de 400 ex-alunos da União das Instituições Educacionais de São Paulo (Uniesp) têm sido surpreendidos, desde agosto passado, com cobranças, supostamente indevidas, de mensalidades que, segundo eles, deveriam ser isentas. Os valores variam de R$ 24 mil a R$ 60 mil. Muitos, por não terem condições de pagar, já estariam com o nome sujo em órgãos de proteção ao crédito. OPINÓLOGO teve acesso a algumas das cartas recebidas, porém não pôde divulgá-las.
Imagem: Divulgação
Como assim, estudar de graça, mas ter de fazer inscrição no Fies??? |
“Éramos atraídos através de captação em ONGs, associações de bairro e igrejas que nos encaminhavam à faculdade, para aplicar uma redação e prova de interpretação de texto, algo exposto como processo seletivo. O procedimento também era feito nos próprios locais que nos indicavam para a matrícula, uma propaganda (folder) era oferecida aos candidatos com a seguinte chamada: ‘Você na Faculdade, a Uniesp Paga’. Nossa matricula era efetivada apenas em sistema próprio da faculdade, nenhum contrato nos era oferecido. Isso apenas ocorreu de 1 a 2 anos após estarmos estudando. Uma das condições para adesão seria nos vincularmos a ONGs indicadas pela instituição, e contratarmos o Fies, para o estabelecimento de ensino garantir nossa vaga”, contou ao OPINÓLOGO a ex-estudante de História Débora Lima.
O problema de muitos estudantes era que depois de cumprirem a carga horária em ONGs, a mesma não era mais aceita pela Uniesp, que alegava tê-las descredenciado ou rompido com a parceria. Tudo isso sem prévio aviso aos estudantes. Como se não bastasse, eles tinham de pagar para se vincular às ONGs, que justificavam precisar da grana para manter-se financeiramente. Para bom entendedor: eles tinham que pagar para trabalhar de graça para elas.
“Éramos atraídos para as faculdades da rede [Uniesp], e induzidos a fazer atividades em ONGs indicadas por elas, seis horas semanais gratuitas, com a promessa de que seríamos isentos do pagamento contratual do Fies após o término do curso. Éramos estimulados pelas instituições a contratarmos para garantia das vagas oferecidas. Além disso, as ONGs nos cobravam para nos vincularmos a elas, alegando a necessidade de promover a manutenção do espaço”, relatou Débora Lima.
Estudantes matriculados entre 2012 e 2013 só teriam recebido o contrato de prestação de serviço em 2014, depois que a Uniesp foi denunciada pelo Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-RJ) por conta de contratos irregulares junto ao Fies, complementou Débora Lima. A mantenedora teve de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) perante o MPF-SP, o Ministério da Educação (MEC) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), devendo conceder desconto de 30% nas mensalidades durante todo o primeiro semestre daquele ano para estudantes com ou sem o financiamento.
Para conseguir crédito federal em unidades impedidas desde 2013 de receber alunos pelo Fies, os contratos da Uniesp com este fundo apresentavam informações incorretas – leia-se forjadas – sobre o curso pretendido, o número de semestres financiados, valor da mensalidade e IES escolhida.
Ainda não está claro se houve erro na publicidade por parte da Uniesp e/ou de interpretação pelos então estudantes, ou se estes foram vítimas de supostos estelionato socioeconômico e propaganda enganosa, se considerados o histórico e alguns supostos antecedentes da IES.
Os ex-alunos afetados disseram que vão recorrer aos ministérios públicos Federal e Estadual e à Justiça para reverter a cobrança. Mas, diante da morosidade do Judiciário, alguns deles têm aberto inquéritos individuais junto à Defensoria Pública da União em São Paulo, solicitando a suspensão das cobranças.
Os ex-alunos afetados disseram que vão recorrer aos ministérios públicos Federal e Estadual e à Justiça para reverter a cobrança. Mas, diante da morosidade do Judiciário, alguns deles têm aberto inquéritos individuais junto à Defensoria Pública da União em São Paulo, solicitando a suspensão das cobranças.
Imagem: A Uniesp vai ter que pagar /
Facebook / Reprodução
Acorrentados: nos sentidos literal e figurado |
À ‘Agência Brasil’, por exemplo, a Uniesp disse estar pagando mensalmente as parcelas de amortização do contrato do Fies de mais de mil estudantes, e que já teria quitado as dos ex-alunos.
OPINÓLOGO entrou em contato com a Uniesp na manhã da última terça-feira (13/12), mas até a publicação desta notícia, não recebeu retorno. Sem citar nome de nenhum dos entrevistados, enviou perguntas referentes aos problemas aqui descritos e, inclusive, questionou sobre a falta de negociações entre ex-discentes e os dirigentes.
Os dramas de alguns ex-alunos
Janaína Jatiacy
Motivada pelo trauma de não ter concluído o último ano de Pedagogia em outra faculdade, por falta de dinheiro, a manicure Janaína Jatiacy mantinha o sonho de uma vida melhor. Dessa vez, queria se formar em Letras e, assim, arrumar um emprego na área, para dar uma vida mais digna ao filho. Em vez disso, só teve dor de cabeça, enquanto aluna da Uniesp. Pensando estar caminhando em direção à liberdade, mal sabia que estava se prendendo cada vez mais, ao contrair dívidas por meio de contratos nos quais era obrigada a assinar, para que lhe fosse permitido fazer as provas. Justo nas semanas de avaliações, os alunos eram convocados a renovar os contratos. Não dava tempo de lê-los nem de tirar cópia para si. Ela foi notificada por órgãos de proteção ao crédito de que possuía uma dívida de R$ 43 mil com o Banco do Brasil.
Em novembro de 2011, ela participou de um processo seletivo na Associação dos Cidadãos Unidos da Zona Leste (ACZL), para ingressar na Uniesp. Ela se deixou levar pela propaganda de que a faculdade arcaria com a sua graduação, no entanto, deveria contratar o Fies, para evitar problemas futuros. Mas, ao final do curso, receberia um certificado no qual dizia que as dívidas feitas por ela seriam repassadas à IES.
Para ganhar a bolsa de estudos, realizou trabalho voluntário por um ano na ONG supracitada, onde pagava uma taxa mensal de R$ 20. Suas atividades eram fazer cadastro de solicitantes do ‘Minha Casa, Minha Vida’, programa habitacional do governo federal, dar aulas de reforço escolar e elaborar projetos educacionais. Os pedidos de projetos, por parte da IES, costumavam ser feitos no período em que os estudantes estavam mais atolados, ou seja, durante as provas, segundo Janaína.
Já no sexto período de Letras, ela foi informada de que seu curso teria mais dois semestres, passando de seis para oito. Ela pensou em fazer transferência para outro campus, tendo em vista que o curso lá não sofreu alterações, porém desistiu. Não compensava financeiramente. Ela teria de pagar uma taxa de R$ 300 mais multas só para mudar de unidade.
“Enganados. É assim que nos sentimos, ao descobrir que, além de termos mais dois anos à frente para concluir nosso curso, ainda teríamos que cumprir as novas regras contratuais, regras impostas de forma covarde e no escuro. Pois, no momento em que nos fizeram assinar [os documentos], estávamos no fim de um semestre em meio a provas”, relatou Janaína Jatiacy.
O pior de tudo é que ela já havia concluído o curso no sétimo período, e não sabia. Quando foi à secretaria da faculdade para se certificar de que não haveria problema em sua colação de grau em dezembro de 2015, por conta de pendências junto ao Fies, soube que já havia um certificado de conclusão de curso datado de julho daquele ano.
“Foram os quatro anos mais angustiantes e cansativos da minha vida, ter de abrir mão da minha antiga profissão (manicure e cabeleireira), deixar meu filho de lado para estudar, e contar com a ajuda [financeira] dos meus familiares. Tudo para concluir o sonho de ter um diploma em mãos”, completou a ex-discente.
Apesar de tudo, Janaína ainda não pôde colocar as mãos no diploma e no certificado de conclusão de curso, porque o que a separa de seu sonho é o fato de não estar com as parcelas quitadas. Sem ter como comprovar a graduação, ela não consegue arranjar um emprego na área e também não pode participar de concursos públicos. Ela também não consegue ter acesso ao histórico com as notas.
“A instituição chegou a cogitar a possibilidade de verificar o valor da dívida e dividir em parcelas, para que a mesma fosse paga e o diploma fosse liberado. Se o próprio contrato diz 100% financiados, por que eu teria que negociar com a faculdade??? E o tempo dedicado com os trabalhos voluntários???”, indagou a ex-aluna.
Christian Villafan
O ex-estudante de História Christian Villafan está à espera do próximo capítulo de aborrecimentos. Ele ainda não recebeu as cobranças, que estão previstas para o próximo ano. Ele se formou em 2015. Motivado pela propaganda e pelo slogan convidativo, ingressou no curso em fevereiro de 2013. Em dado momento, o slogan, que atraiu muitos alunos de baixa renda, foi alterado. Os folhetos que antes vinham com a chamada ‘A Uniesp paga para você’ passaram a ser distribuídos com uma nova: ‘A Uniesp pode pagar’, comentou o ex-discente.
Para ser isento de mensalidades, atuou por dois anos na Associação Amigos Dedicados à Integridade e Cidadania (Adic), onde pagava mensalmente R$ 20, para trabalhar para a entidade. As atividades realizadas por ele eram: elaborar programas de alfabetização e aulas de reforço para jovens de comunidades carentes, doar sangue, doação de roupas a moradores de rua, além de promover a distribuição de alimentos aos mesmos, retirar doações feitas pela Câmara Municipal de São Paulo e organizar festas para crianças.
“O critério informado pela secretaria da faculdade, para que eu ficasse isento de pagamento do curso, seria uma prestação de serviços, com carga horária de seis horas semanais, através de ONGs indicadas pela própria faculdade. Entretanto, coisas estranhas começaram a acontecer em 2014: o setor responsável pelo recebimento dos relatórios passou a dificultar a entrega, e também a não mais recebê-los, sem nos dar uma explicação plausível ou qualquer orientação. A direção da faculdade modificou sem nenhum aviso prévio o modelo das atividades antes manuscritas, sob a exigência de que fossem digitadas, acrescentando o deferimento e indeferimento dos conteúdos descritos nos relatórios pelos alunos, e conferência da situação das ONGs que os emitiam. Muitos alunos eram indeferidos sob a alegação da atividade não ter relação como curso em qual o estudante estava matriculado, e que o conteúdo descrito era insuficiente, e/ou que sua ONG fora descredenciada”, contou Christian Villafan.
Ele também não recebeu o diploma nem o certificado de conclusão do curso. Da última vez que procurou saber detalhes, foi informado de que a IES estaria dentro do prazo para a emissão dos documentos, ou também que o sistema estaria inoperante no momento.
Cristina Lima
A ex-aluna de Letras Cristina Lima disse, ao OPINÓLOGO, estar preocupada com as cobranças previstas a partir de janeiro de 2017, e de ficar com o nome sujo em órgãos de proteção ao crédito, sendo, portanto, impedida de fazer financiamentos e empréstimos, ou até mesmo de ter algum bem penhorado para quitar o Fies.
Ingressou na unidade Centro Novo, em 2012, acreditando que seria isenta de todas as mensalidades, mas por ter ficado com média cinco em duas disciplinas, foi excluída do programa ‘Uniesp Paga’. Ela alega que só soube que não poderia ficar com média inferior a sete, depois que terminou o curso, e que nunca lhe foi passada tal informação. Uma das condições impostas para que o discente fosse beneficiado, era ter excelência acadêmica. O contrato do Fies reforça isso, mas não estabelece nota mínima. Durante 4 anos, ela atuou em três ONGs, onde prestava serviço de alfabetização aos sábados. Duas dessas entidades foram indicadas pela faculdade: na Associação Nacional de Assistência Múltipla aos Trabalhadores e Universitários (Anamtu), ela pagava mensalmente R$ 50 para trabalhar de graça, enquanto que no Instituto de Pesquisas em Saúde Aluísio Calil Mathias (Inpes), R$ 25. Já na ONG Frente Paulista, onde não pagou nenhuma taxa e não foi indicada pela IES, atuou por conta própria.
“No segundo semestre da faculdade, os alunos foram informados que deveriam fazer parte de um projeto social para ter direito à quitação do financiamento onde a própria faculdade indicava as ONGs associadas. Nos informaram que os alunos teriam um certificado, comprovando que a Uniesp se responsabilizaria em quitar o financiamento realizado pelos alunos, porém todo mês, na entrega desses relatórios, tinha algum problema: ora a ONG era descredenciada, ora a faculdade dizia que a ONG não fazia parte do projeto, não aceitava os relatórios, que desapareciam. Por fim, criaram que os relatórios deveriam ser entregues preenchidos pelo sistema da faculdade que quando não estava fora do ar, estava bloqueado. O sistema não liberava o preenchimento, ou então a ONG não estava cadastrada, entre outros contratempos”, explicou Cristina Lima.
O drama de Cristina Lima não parou nisso. No quarto semestre, soube que o curso não teria mais seis períodos, e sim sete. E entre o quinto e o sexto semestre, recebeu outra notícia: a de que haveria um oitavo período, por conta de uma portaria do Ministério da Educação (MEC), que exigia uma disciplina de Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) no curso de Letras.
Cristina Lima ingressou na faculdade em 2012, mas somente em 2014 que recebeu um certificado no qual informava que ela fazia parte do programa ‘Uniesp Paga’. Foi no mesmo ano que a instituição firmou um TAC junto ao MPF-SP e o MEC.
Primeiramente, o contrato junto ao Fies não foi aceito, porque o banco credor lhe informou que havia cancelado o vínculo com a Uniesp. Quando foi em outra agência, indicada pela IES, tentar abrir uma conta para firmar o contrato com o fundo estudantil, soube que já havia uma conta aberta em seu nome no Banco do Brasil, embora alegue não ter enviado nenhuma documentação para tanto.
“Só tenho que agradecer a Uniesp, por incentivar os sonhos e depois tirar como se nada tivesse acontecido. Agradeço pela propaganda enganosa que levou muitos alunos a realizar o financiamento, na esperança e acreditando na credibilidade que a Uniesp dizia ter. Muito obrigada a todos, inclusive ao diretor [Fernando Costa], presidente e dono da Uniesp, que não se importam com as pessoas que eles mesmos lesaram e nenhuma satisfação fornecem. Eles dão uma de vítima onde os prejudicados somos nós, os alunos”, expressou Cristina Lima.
Imagem: Divulgação
Depois que o caso começou a se tornar público, a Uniesp começou a convocar os atuais alunos, para tratar do programa |
Alguns antecedentes
Em 2013, o MEC suspendeu a autonomia universitária da Uniesp, ao proibi-la de abrir novos cursos e de realizar fusões, aquisições e cisões. Haviam ‘fortes indícios’ de supostas irregularidades praticadas pela IES, especialmente em seu programa ‘A Uniesp paga a sua faculdade’, que utilizava recursos do Fies.
Em 2011, a Uniesp foi citada no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Na ocasião foi acusada de, supostamente, constranger alunos com o oferecimento de bolsas e mensalidades atraentes e depois tirá-las e sugerir que contratassem o Fies, além do não cumprimento de direitos trabalhistas.
Já em 2013, a IES foi acusada pela Comissão de Educação da Alesp de supostas cobrança abusiva de mensalidades, propaganda enganosa, demora ‘excessiva’ na liberação da documentação dos estudantes, fraude, cancelamento de cursos sem prévio aviso, o não pagamento de direitos trabalhistas, o não recolhimento de INSS, demissão em massa, entre outras coisas.
Em 2014, a Uniesp ficou em primeiro lugar na lista de 10 IES que mais receberam reclamações no Procon-SP. Das 402 queixas, 86% delas foram resolvidas.
Reportagem da ‘Folha de São Paulo’, de 2012, informou que a Uniesp, supostamente, pagava a igrejas uma espécie de dízimo (10%) por cada aluno indicado a matricular-se pelo Fies. O caso seria investigado pelo MEC, para saber se o dinheiro seria oriundo de programas federais.
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