Sexta-feira, 13 de outubro de 2023 Cibercriminosos utilizam logomarcas de empresas e de programas do governo federal para aplicar golpes na...
Sexta-feira, 13 de outubro de 2023
Cibercriminosos utilizam logomarcas de empresas e de programas do governo federal para aplicar golpes na internet
Anúncios “fake”
Impulsionar posts em redes sociais como facebook e instagram não é algo tão simples quanto parece, principalmente se forem de temas considerados sensíveis pela Meta como política e direitos humanos, por exemplo. Se os algoritmos identificarem palavras-chaves relativas a esses assuntos, a ferramenta não aceitará e exigirá que os anunciantes informem tratar-se de pautas sensíveis. E o anúncio deverá passar por nova análise. Em muitas situações, é preciso até enviar cópia da carteira de identidade para que a publicação seja aprovada. Contudo, esse não é o problema enfrentado por cibercriminosos que promovem estelionato digital, utilizando-se de programas e logomarcas do governo federal, de sites de notícias, de bancos e outras empresas para aplicar golpes na internet.
Por mais de um ano, OPINÓLOGO fez diversos “prints” de posts patrocinados no instagram e no facebook e notou que o modus operandi e os alvos são os mesmos, só o que muda é a empresa que será utilizada indevidamente na fraude. Os golpistas atuam conforme o momento e agora fazem falsas propagandas do “Voa Brasil”, programa do governo Lula que promete passagens aéreas a R$ 200 por trecho e que ainda não foi lançado. Na última terça-feira (10/10), o Ministério de Portos e Aeroportos divulgou uma nota, informando não estar fazendo nenhum tipo de cadastro, tampouco que estivesse solicitando valores.
Uma das publicidades mais observadas por este jornalista é a de falsos leilões (foto 2) de smartphones retidos nos Correios. Os anúncios podem aparecer no instagram, facebook ou messenger – plataforma de conversas do facebook –, embora os anunciantes só tenham perfis no facebook e com baixíssimo número de seguidores. Eles costumam utilizar nos perfis fotos de sites noticiosos, de bancos de imagens ou até de celebridades. Em um dos “prints” feitos por OPINÓLOGO, os golpistas utilizam a imagem do jornalista Rodrigo Bocardi (foto 1), da TV Globo, para dar um ar de suposta legalidade ao post impulsionado.
Já em outro visto pela reportagem, a chamada é de uma falsa matéria do Uol, mas ao clicar no link aparece uma falsa página do G1. Apesar do amadorismo, que beira ao grotesco, muita gente leiga pode cair nesse tipo de golpe. Os delinquentes também utilizam criminosamente o logotipo do portal R7 em certos impulsionamentos.
Imagem: instagram / Arte: OPINÓLOGO
Os “prints” mostram algumas etapas de um dos anúncios “fake” |
Ademais de preços supostamente atrativos com pagamentos somente via pix ou cartões de débito e crédito, os golpistas criam páginas similares às de empresas e órgãos governamentais em domínios estrangeiros e/ou internacionais. O objetivo é dificultar a identificação dos responsáveis, já que os provedores de domínios podem ocultar informações sobre os reais proprietários, pois para descobrir pode levar mais tempo. A depender do caso, seria preciso acionar órgãos policiais e judiciários no exterior para colaborar com as investigações.
Outras propagandas pagas observadas em tais mídias sociais são a de supostos saques de benefícios trabalhistas, de dinheiro esquecido em bancos (foto 4), inclusive com o uso de inteligência artificial, e a de falsos pacotes promocionais de viagens com megadescontos. Apesar de os anúncios serem feitos por perfis distintos, quase sempre direcionam os internautas aos mesmos sites. Não dá para colocar todos os “prints” feitos.
Imagem: instagram /
Arte: OPINÓLOGO
Arte: OPINÓLOGO
Este anúncio “fake” é de 2022 e usa uma foto de Anitta |
Em 2022, por exemplo, as principais postagens impulsionadas por criminosos nas mencionadas redes sociais eram de falsos produtos comercializados nas Lojas Americanas e Casas Bahia, além de oferta de cartões de crédito com limite de até R$ 15 mil do Will Bank. Neste último caso, os estelionatários tinham uma página “fake” semelhante a do aplicativo dessa instituição bancária e também usavam a foto da cantora Anitta (foto 3) para gerar credibilidade. Para os mais atentos, era possível observar a falha, já que a artista não poderia fazer publicidade pela referida financeira, estando vinculada ao concorrente Nubank.
Estelionato digital
O crime de estelionato está previsto no Artigo 171 do Código Penal (Lei nº 2.848/1940). A prática consiste em enganar pessoas para obtenção de vantagens, geralmente dinheiro. A pena varia de um a cinco anos de cadeia.
A Lei de Fraude Eletrônica (Lei nº 14.155/2021) é um aprimoramento da legislação vigente para tratar do delito de estelionato. A intenção dos criminosos é a mesma. O que muda é a forma de executá-lo. Nesse caso, o estelionato é digital e cometido por meio de redes sociais, falsos sites de compra e venda de produtos e serviços, contatos telefônicos, falsos empréstimos por telefone, aplicativos fraudulentos, falsas notificações de mensagens por e-mail, aplicativos de mensagens e/ou SMS para obter senhas de contas bancárias e dados de cartões de crédito para clonagem e gastos não autorizados, por exemplo. A pena varia de quatro a oito anos de prisão.
A pena pode ser aumentada em dois terços, se o ilícito for cometido com o uso de servidores de armazenamento de dados fora do Brasil, e em um terço no caso de o delito for contra entidade pública, a economia popular e/ou contra a assistência social ou beneficência. Em caso de crimes contra o governo federal, eles serão investigados pela Polícia Federal.
Tramita no Senado, desde agosto do ano passado, um projeto de lei que visa tipificar como crime hediondo, quando o estelionato digital ou emocional for cometido contra idosos e pessoas consideradas vulneráveis. O texto foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados naquele mesmo mês.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança 2023, o Brasil contabilizou ao menos 320.792 casos de estelionato por meio eletrônico nos anos de 2021 e 2022. O estado de Santa Catarina lidera o ranking com 42.976 e 64.230, respectivamente. Em segundo lugar está Minas Gerais, com 25.574 em 2021 e 35.749 em 2022. Não há registros para Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo, porque os dados dependem de informações obtidas perante os órgãos de segurança locais.
O estelionato digital pode até garantir uma grana considerável aos golpistas, mas estes também precisam gastar em tecnologias como a criação e hospedagem de sites e servidores e impulsionamentos em mídias sociais, entre outros.
As legislações vigentes tratam dos crimes e de seus autores, no entanto ainda não vinculam as redes sociais como corresponsáveis, tendo em vista que elas ajudam a dar legitimidade aos golpes e ganham muito dinheiro com os anúncios. Pois cabem a elas fazerem o filtro do que é verídico e não é, independentemente de serem temas sensíveis ou não. Em parte, a internet ainda é um território sem lei.
Apenas por uma questão de transparência: OPINÓLOGO não contatou a Meta e nem as demais empresas citadas na reportagem para comentar o caso ou para perguntar se estariam fazendo anúncios pagos por meio de perfis notadamente duvidosos, cujos links geralmente redirecionam a páginas fora do Brasil. Não há necessidade de indagar o óbvio.
O que fazer em caso de golpe?
Em caso de golpe, a primeira coisa a ser feita é comunicar ao banco ou à administradora de cartão de crédito sobre o ocorrido, para que, caso seja possível, a compra seja cancelada. Em seguida, pedir o bloqueio do cartão e o envio de um novo com numeração e senha diferentes. E depois disso, comparecer a uma delegacia para relatar o crime, especialmente se houve saques e/ou compras que não puderam ser revertidos.
Registrar um boletim de ocorrência pode ajudar as vítimas a se eximirem de futuros golpes se seus dados pessoais forem usados indevidamente para obtenção de empréstimos, por exemplo.
Imagem: instagram / OPINÓLOGO
O anunciante tem baixo número de seguidores e usa extensão de domínio internacional de internet (“fun”), que não é comum no Brasil |
Em setembro deste ano, este repórter auxiliou uma conhecida a sustar uma compra por cartão de crédito e a bloqueá-lo. Ela tinha visto um anúncio no facebook de suposta renegociação de dívidas da Serasa. Os golpistas só aceitavam pagamento via pix ou cartão de crédito. Muitos consumidores compulsivos, no intuito de limpar seus nomes, acabam não se atentando a certos detalhes. Ao comparar as dívidas reais no supracitado serviço de proteção ao crédito, confirmou-se que ela foi vítima de estelionato digital.
Em caso de anúncios “fake”, a dica é denunciá-los às próprias plataformas para que sejam reanalisados e bloqueados. Se ainda assim o mesmo perfil ou anúncio reaparecer depois de um tempo, é importante denunciar em delegacias de crimes virtuais. Em determinadas situações, isso pode ser feito anonimamente. Mas é necessário informar links e imagens que confirmem a denúncia.
As pessoas precisam ter malícia e estar mais atentas a esse tipo de golpe. Não devem confiar em tudo o que veem na internet. E precisam parar com o desespero de querer ganhar vantagem em tudo. É quando o barato sai caro. Também devem checar os links dos sites nos quais estão visitando. E se possível, utilizar cartão de crédito virtual com validade temporária, ou seja, após o uso ele deixa de existir. Isso dificulta o estelionato, já que os cibercriminosos utilizam o número dos cartões e o código de segurança para fazer compras e saques e deixar dívidas para as vítimas.
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